Os “ismos” e o Brasil

A dificuldade de diálogo com o Congresso e setores da imprensa, fez com que Bolsonaro e seus aliados convocassem seus apoiadores às ruas, que boa adesão. Penso ser correto admitir que a grande presença popular nas manifestações pró-Bolsonaro, mostra a consolidação de um novo “ismo” na política brasileira: o bolsonarismo.

Nada de novo, ou bom, nos quase duzentos anos de independência político-administrativa desta jovem nação. Aos que acreditam testemunhar algo inédito, vale um passeio pela história política brasileira, assim poderemos identificar vários movimentos neste sentido.

O primeiro “ismo” do Brasil foi o Florianismo. O alagoano Marechal Floriano Peixoto foi o segundo presidente que o Brasil teve, era vice de Deodoro da Fonseca e alçou o poder uma frustrada tentativa de golpe do então presidente.

A historiografia reconhece Floriano como uma figura autoritária e popular, comandou a jovem república como se estivesse à frente de um batalhão do exército. Ganhou o querido apelido de “Marechal de Ferro”, pela forma com que lidou com revoltas adversárias; os moradores de Desterro… quer dizer Florianópolis que o digam. Chegou a inclusive insinuar que prenderia membros do judiciário se dessem habeas corpus aos seus adversários políticos, autoritariamente presos.

A Revolta da Armada, que bombardeou o Rio de Janeiro, foi duramente reprimida, e somando esta defesa da capital, à sua simplicidade e forma de conduzir o país, deram à ele grande popularidade. Assim surgiu então o Florianismo, nacionalista, moralista e influente no Exército, um movimento que ainda iria ter seus reflexos na história do Brasil.

Getúlio Vargas é o mais famoso e recorrente na história do Brasil, sem sombra de dúvidas foi o líder que mais reverberou ao longo dos anos. Não chegou ao poder pelo voto, foi alçado ao poder por um golpe que contou com bom apoio popular e do Exército, graças à instabilidade do carcomido sistema da República Velha, ainda mais questionado após a Crise de 29.

São atribuídas ao gaúcho, características como, ambíguo, autoritário e genial, todas se encaixam ao entendermos que Vargas tinha um lado: o seu. As mais sérias correntes da historiografia admitem que o caminho percorrido, suas decisões, ações de aproximação e afastamento, de militares, integralistas e de quaisquer políticos, se deram na defesa de seu próprio interesse.

Getúlio foi um gênio político sem igual na história brasileira, contudo tinha dificuldades de exercer o poder num regime democrático, que pressupõe o diálogo, a mediação e a construção de consensos. Talvez por isso lhe tenha sido conveniente, as muitas rupturas que protagonizou e a forma com que manobrava as massas.

Soube como poucos em seu tempo, entender e usar ao seu favor, as necessidades que acelerada urbanização e crescimento de novos atores sociais, na dinâmica década de 30, bem como lançou mão de astúcia política para empoderar e aproximar forças nos estados, através de seus interventores.

Politicas protecionistas, estatizantes e assistenciais se consolidaram neste período. A sentença anterior cabe perfeitamente ao getulismo, mas também à outro “ismo” ainda forte no Brasil: o lulismo.

Luis Inácio Lula da Silva se elegeu em 2002, assumiu a presidência num contexto de consolidação de muitos dos dispositivos da Constituição de 1988, foi o primeiro representante da classe operária a chegar ao poder.

Dotado de grande astucia, uma capacidade absurda de comunicação com as massas, maleabilidade na articulação política e de caráter, alcançou grandes níveis de popularidade. No primeiro mandato manteve bases da política econômica de seu antecessor e opositor, Fernando Henrique Cardoso, que aliadas ao maior período de crescimento da economia internacional da história, possibilitaram a Lula o aprofundamento de políticas sociais.

Além de saber surfar na onda, Lula aproveitou também a máquina partidária e sindical construída pelo PT e consolidou para si, assim como Getúlio, uma massa de trabalhadores fiéis e dependentes do governo. Em 2009 chegou inclusive a flertar com a tentativa de um inédito terceiro mandato. Mesmo com o cerco da justiça se fechando contra seus aliados, seu partido e a si mesmo, força do lulismo é grande, há quem diga que se tivesse sido candidato em 2018, teria vencido as eleições.

Ainda é cedo para afirmar com absoluta certeza, mas parece que Jair Bolsonaro, assim como Getúlio, entendeu as mudanças que aconteceram no Brasil em seu tempo, especialmente nas dinâmicas sociais e relações entre a classe política e a população. Assim como Lula em 2002, decifrou, falou e prometeu resolver um problema que incomodava a população, neste contexto. Da mesma forma que Floriano, seu companheiro de farda, o atual presidente oferece à população a esperança de limpeza do gastado sistema anterior, da corrupção e um profundo nacionalismo.

Há na história brasileira outros “ismos” que tiveram relativo sucesso, como o malufismo e o brizolismo, contudo nada comparável aos citados, que chegaram ao posto máximo do Executivo brasileiro. Todos estes movimentos têm em comum o culto à personalidade, a dificuldade dos ícones com a prática do jogo democrático, quando não, a propensão ao autoritarismo, e grande popularidade dos protagonistas.

Marx escreveu que “A história se repete, a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa.”, já Luis Fernando Veríssimo fez uma releitura tupiniquim da frase: “Aqui, a história não se repete como farsa, as farsas se repetem como história.” Ao considerar a atual conjuntura brasileira, espero que ambos estejam errados. O Brasil passa por mais uma das encruzilhadas que decidirão o futuro das próximas gerações, que nosso sofrido povo não caia em armadilhas, tragédias ou farsas, já penamos muito com \”ismos\”, precisamos mesmo radicalizar a democracia.

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